


VAI
ENCARAR?
PoR tRás dA ImAgEm mARRENtA, Marcelo D2 é um CARA quE Não quER
sAbER dE CoNfusão. EmboRA A PolêmICA CoNtINuE No sEu PRAto do dIA
Marcelo Maldonado Gomes Peixoto sabe que caminhou pela contramão durante boa parte dos seus 41 anos. E tem a certeza de que as suas muitas confusões com a Justiça, passagens pela polícia, prisão, ameaças de morte e brigas não lhe renderam nada mais que uma dezena de cicatrizes pelo corpo, uma
facada nas costas, 260 pontos na perna e o olhar de reprova ção e susto do primogênito ao vê-lo todo arrebentado no leito de um hospital público, após uma briga com 18 seguranças num show na Fundição Progresso, há mais ou menos 15 anos.
"Posso até ser fruto dessa loucura toda, mas sei que não é preciso tanto. Era uma vida completamente infeliz. Puxei o freio de mão quando tive meus filhos." Ele percebeu que os papéis estavam invertidos. Era o pai quem tinha de cuidar da
prole e não o contrário. Então começou "a fazer as coisas certas". "Falo isso em relação ao que acho digno hoje, já que os valores são mutáveis e há 50 anos seria impensável um cara cheio de tattoo poder definir o que é ou não correto
numa entrevista para um jornal."
como um mutante
Em relação às tatuagens, o rapper mal sabe quantas ostenta ao longo dos seus 1,70 m de altura. Tem o escudo do Flamengo, uma cruz sobre o escrito Zona Norte e o nome dos seus quatro filhos cravados em diferentes regiões do corpo. Luca, 7, está grafado em seus dedos da mão esquerda; a caçula Maria Joana, 4, mereceu uma grande intervenção acima do peitoral, assim como Stephan, 17.
E Lourdes, 8, ganhou contornos em seu antebraço direito. Além dessas, D2 tem a certeza que muitas mais virão. É um sujeito mutante. Embora, na essência, continue a mesma. O rapper mais bem sucedido do país, com cerca de 1,5 milhão de discos vendidos, teve seus hábitos amansados pela idade, é verdade, mas ainda é falastrão, marrento e gerador de polêmicas. Das boas.
"Fumo maconha todos os dias e nunca vou deixar de fumar e nem escrever sobre isso." D2 manda na lata. Acredita que o caos do tráfico, gerado em conseqüência do consumo da droga, seria resolvido com a descriminalização. "Droga não é assunto de polícia. É uma questão de saúde pública. A maconha, por exemplo,
é uma planta, sempre esteve aqui. É coisa de Deus." 
"FUMO MACONHA TODOS OS DIAS. E NUNCA VOU
DEIXAR DE FUMAR, NEM DE ESCREVER SOBRE ISSO"
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Viva a polêmica
D2 está recostado numa cadeira reclinável, numa sala nos fundos do número 626 da Rua Dias Ferreira, no Leblon. É lá que funciona o QG da Na Moral produções, agência do empresário Marcelo Lobatto, que cuida da sua carreira desde os tem
pos do Planet Hemp, há 15 anos. "Tô muito ruim, cara. Carranca pesada de `quero ir embora agora!'. Esse negócio de tirar foto... Tu não sabe onde pôr a mão, o vira-lata da esquina fica latindo e enchendo o teu saco. Esse dia tava foda", resmunga, enquanto observa as imagens de uma sessão realizada para o
seu quarto álbum solo, A arte do barulho, produzido por Mario Caldato e lançado na última semana. Pede opinião, troca idéia, marca o número dos melhores cliques no papel e em frases como "Esse sorrisão fake tá foda", "essa aqui tá natural", "os azulejos atrás dão uma onda, hein?". D2 é um sujeito muito
ligado à imagem. Seja relacionada ao vestuário ele comanda uma grife de street wear quanto ao tipão marrento que construiu à base de uma persona trangressora, impulsiva, mordaz.
Se assistir ao sol nascer quadrado e resolver os problemas à base da porrada ficaram no passado, ser do contra e derrubar barreiras ainda fazem parte do seu cardápio. "Às vezes não tenho certeza de que estou falando a coisa certa, mas banco assim mesmo. Só de gerar a discussão já vale."
É isso, aliás, que continua fazendo, calcado desde sempre na combustão de estilos musicais, como o samba e o rap. "Acho sempre que o disco está uma merda, mas depois vejo que o resultado tem valor." A busca pela perfeição, no entanto, não
é algo que lhe tire o sono. Polêmicas também não. Ultimamente, o que tem tirado a paz do morador do Cosme Velho são as obras que está fazendo em casa, para ter o seu próprio estúdio. "Mas, na boa, não quero falar disso, não." O esporro dos bate-estacas, furadeiras e marteladas não o deixam relaxar. Atrapalham na hora de assistir a DVDs com a mulher, Camila Aguiar, ler revistas, brincar com seus filhos pequenos, jogar videogame, beber umas cervejas e fumar uns baseados "longe das crianças, né?".
Desabafo social
É o tal estilo de vida "na boa" que ajuda Marcelo D2 a focar em questões fundamentais para ele. A "falta de possibilidade" é a expressão da vez que pende de seu arsenal verborrágico. Juntam-se a ela sentenças que miram a exclusão e segregação de tipos sociais em guetos, além da retração em participarmos mais da vida uns dos outros. São as angústias que calam no peito, escorregam no lápis e explodem navoz do rapper. A bordo do single Desabafo que recupera o refrão do samba Deixa eu dizer (Ivan Lins e Ronaldo Monteiro), gravado pela cantora Cláudia, em 1973 D2 reverbera seus questionamentos via estéreo 5.1. "As pessoas não têm a oportunidade de levar adiante um sentimento tão básico e nobre como o querer. Isso dá nó na garganta, porque vejo a molecada estudando em escola pública, onde os professores entram em greve e o tráfico esconde armas no pátio." Apenas quando escreve sente-se efetivamente participativo. "Não
"UM ANJO NA MINHA VIDA"
A VERBORRAGIA DO RAPPER VAI PARAR NO CINEMA LEMBRANDO DE UM VELHO AMIGO
Em parceria com o diretor Johnny Araújo, D2 elabora o roteiro para um longa-metragem, a ser filmado no fim de 2009. O filme, em parte autobiográfico, conta a história de dois amigos, ou seja, D2 e seu parceiro de noitadas na Lapa e de Planet Hemp, Skunk."Foi um anjo que apareceu na minha vida. Colocou o sonho dele nas minhas mãos e partiu dessa para uma melhor." A amizade durou três anos. Era muito forte e contraditória. "Eu era de classe média baixa, família branca, da Zona Norte e ligada ao candomblé e umbanda. Ele era da classe média alta, família negra, da Zona Sul e católica." A partir dessas contradições, Marcelo D2 conta a história "de dois caras que buscam seu caminho de afirmação através da música." Marcelo, em casa, com dois dos três filhos, Luca e Maria Joana: pai presente
O nOvO discO
nada cOmO quebrar a cara para as cOisas ficarem nOs eixOs
ricardo schott após o caído Meu samba é assim (2006), marcelo d2 volta ao normal em A arte do barulho, disco que, em vários momentos, soa como uma recordação modernizada do Planet Hemp. Passeia por funkões , rock-afro-beat, bossa-jazz-rap, hip-hopsicodelia e um verdadeiro et.
Minha missão é uma balada blues com participação de roberta sá que, afora o rap de d2, poderia ser considerada uma canção radiofônica desde que lançada em 1981, com produção de Lincoln olivetti e guitarras de robson Jorge. ainda tem o sambinha de piano rhodes (com marcos valle no dito instrumento) e a lembrança da bela voz samba-rock de Cláudia, em Desabafo com sample de sua gravação de Deixa eu dizer, da fase soul de ivan Lins. ah, mas e aquele papo de maconha? Pois é, tem o samba-soul-rap de Kush, a melhor homenagem do rapper herbífumo à diamba, com flautas de enlouquecer. e nem vem com sermão: d2 só escancara aquilo que boa parte dos galãs e popstars bonzinhos de plantão faz, mas esconde.
de bar em bar
d2 tem um roteiro de CHoPe que segue reLigiosamente: "bebo todos os dias"
o caminho começa no Leblon. no Jobi, no azeitona ou no bracarense. mas o rolé boêmio do flamenguista criado entre os bairros do andaraí, Catete e glória também se estende aos pagodes da Zona norte, como o da tia doca, em oswaldo Cruz, e no morro da serrinha, que abriga a escola de samba império serrano, em madureira. "semana passada fomos gravar o vídeo do arlindo Cruz e caímos num pagode no pé da serrinha. volta e meia estou por lá", conta o rapper, que diz sentir-se em casa mesmo no bar do serafim, em Laranjeiras.
"Chego aqui a qualquer hora do dia e não preciso combinar com ninguém. o Juca (Ferreira, dono do boteco) aparece, a gente troca uma idéia e as vezes ele me dá aquela moral... não deixa eu pagar a conta."
Amante da cevada: "A cada três anos, tenho crises gástricas que são barra pesada. E só não tenho barriga porque jogo uma bolinha"
preencho a minha alma e nem a de ninguém com a idéia de um show beneficente. Quando escutam a minha música, aí, sim, meu irmão, cumpro o meu papel." Principalmente quando isso acontece nos lugares onde pouca gente tem coragem de ir.
Morro acima
Ano passado, Marcelo D2 decidiu fazer uma série de shows em diversas favelas e morros cariocas, apresentando o álbum Meu samba é assim (2006). Convidou os parceiros e padrinhos musicais Arlindo Cruz e Zeca Pagodinho para a empreitada.
Mesmo com a negativa dos dois, seguiu adiante. "O foda é que você vai em um morro que representa uma determinada facção.
Quando você chega na outra favela, os caras te mandam: `Qual é D2, tá dando moral pros vacilões?" No fundo, a turma fica grilada e começa a achar que o "intruso" é leva-e-traz.
"Eu não sou de porra nenhuma. Vou até lá para levar minha música." O que inclui receber os "donos do pedaço" no seu camarim. "Peço apenas para que não entrem com armas no camarim."
Se a situação é agradável? Não, não é. Mas a satisfação que sente ao perceber que se não fosse sua iniciativa, poucas se riam as chances de a população das comunidades carentes assistir a um show seu um artista que bebe de fontes e tra dições culturais essencialmente populares. "Você chega ao Complexo da Penha e os moleques vêm falar que ninguém aparece ali: `Pô, D2, só você mesmo para tocar pra gente!'
Fico amarradão".
O MANIFESTO
"É PRECISO ESCREVER A NOSSA PRÓPRIA HISTÓRIA"
O texto "serve para que as pessoas não se deixem acomodar. Caiu, levantou. Chega de viver o sonho dos outros. Tem que fazer acontecer." Quando sinto o impulso escrevo sem pensar Tudo que meu inconsciente me grita Penso depois, não só para corrigir, Como para justificar o que escrevi. É preciso escrever a nossa própria história...
Deixar de viver os sonhos dos outros...
Queremos cumprir nossa missão que é fazer Algo de verdade que venha do coração Nós temos a coragem do Afrosamba, De Vinicius de Moraes e Baden Powell...
A visão de Tom Jobim, Nós queremos modernizar o passado, como Chico Science falou Nós declaramos que não somos só um número E queremos escrever o nosso nome Não há beleza senão na luta, não há paz sem voz Nós queremos o direito que é a garantia do exercício da possibilidade A possibilidade de fazer e de participar...
Fácil de entender
A preocupação de falar as coisas na lata, para que todos possam entender o seu discurso é uma tônica no trabalho do rapper. Nada a ver com o rap "sisudo e pseudo intelectual que gosta de usar palavras rebuscadas, como a simbiose da puta que o pariu". Bastam alguns tiros para entender que o universo dos DJs, grafiteiros e MCs é o que melhor define a atual geração jovem e o mundo globalizado em que vivemos. "Musicalmente, é o estilo que abriga todos. Você pode tacar rock, música africana e samba, como fiz agora, que vai dar caldo com o rap. É a coisa mais livre que existe." Mas tem sempre uma galera que tenta restringir. "É que nem botar tapa-olho em focinho de cavalo", advoga. E continua falando do aspecto globalizado da parada: "Na Praça Vermelha, em Moscou; na Palestina e até na China você encontra um cara como eu, de boné para o lado, bermudão e tênis old school." Mas será que eles têm tanto a dizer?
"QUANDO ESCUTAM A MINHA MÚSICA, AÍ, SIM, MEU IRMÃO, CUMPRO O MEU PAPEL"
Escriba: "Quando sinto o impulso escrevosem pensar"
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