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16 de fev. de 2009

Especialista fala sobre meios de registrar união gay

Casamento quase rosa

Na falta de um reconhecimento legal da união civil entre pessoas
homossexuais, casais gays conseguem driblar o atraso do Legislativo,
por meio de um documento que nem sempre é aceito pelo Judiciário.
Confuso? Em entrevista exclusiva a revista A Capa, a advogada Sylvia
Maria Mendonça do Amaral responde as principais dúvidas sobre o
processo de registro de união estável. Ela é especialista em Direito
de Família e Sucessões do escritório Mendonça do Amaral Advocacia e
autora do livro "Manual Prático dos Direitos de Homossexuais e
Transexuais". Sylvia também é editora do site Amor Legal.


No Brasil não há reconhecimento da união civil homossexual. É
possível, no entanto, um casal gay registrar legalmente sua união
estável? Como?
O casal pode fazer uma escritura de união estável e registrá-la em
cartório. Porém, como a união estável não está prevista em nossa
legislação, esse documento pode ou não ser aceito pelo poder
judiciário, caso tenha que ser levado até lá por conta de algum
litígio ou pedido. O casal pode fazer essa escritura com outra
denominação, por exemplo: pacto de convivência homoafetiva. O nome não
menciona união estável, mas o seu conteúdo é o mesmo. Não passa de uma
união estável "disfarçada".


O que é preciso para dar entrada nesse processo de registro?
A escritura pode ser feita em cartório, porém o que eles utilizam, via
de regra, é um modelo, uma escritura padrão, para os casais. O ideal é
que o casal busque assessoria para que sua escritura tenha detalhes
que atendam mais suas necessidades e interesses.


Como esse registro é feito? Quem o faz e onde é possível fazê-lo?
Existem dois documentos que podem ser feitos: o contrato de união
estável e a escritura de união estável. Ambos podem ter o mesmo
conteúdo, só que a escritura é um documento mais sólido, já que feito
perante um tabelião, que goza de fé pública. O contrato pode ser
elaborado pelas próprias partes e registrado em um cartório de títulos
e documentos, enquanto a escritura tem que ser feita em cartório de
notas, perante tabelião.


Qual a diferença do contrato de parceria civil para a união civil?
Nos casos de uniões homoafetivas, existe uma vasta gama de
terminologias, mas a essência é sempre a mesma: é uma união entre
pessoas do mesmo sexo. O grande diferenciador é um documento de
sociedade civil. Como muitos juízes não aceitam a união estável entre
homossexuais, se chamados a decidir sobre assunto que os envolva,
decidem como se a relação fosse uma sociedade de fato que é uma figura
comercial, onde as partes teriam se unido com o objetivo de obter
lucros, conjuntamente. Esses lucros podem gerar patrimônio, que teria
que ser partilhado entre ambos, no caso do término da sociedade (no
caso do rompimento da relação homoafetiva) decidem como se aquele
relacionamento de afeto fosse um relacionamento comercial e isso pode
causar vários prejuízos aos envolvidos. O maior deles é em relação à
herança. Afinal, os sócios não são herdeiros uns dos outros, salvo se
houver um testamento anteriormente feito.


Feito este contrato, quais são os direitos que o parceiro terá? Por
exemplo, na união heterossexual existe o direito a pensão.
Teoricamente essa escritura faria com que ficasse comprovada a união
entre aquele casal e isso poderia render-lhe os mesmos direitos que
são concedidos aos heterossexuais (com base no direito à igualdade,
previsto em nossa constituição federal), dentre eles o direito à
pensão. Porém, como afirmei antes, esse documento é questionável.
Muitas vezes não é aceito pelo simples fato de não estar prevista em
nossa legislação a união homoafetiva.


Em caso de uma eventual separação, qual é o procedimento? A anulação
do contrato de união?
Caso haja a separação do casal é importante que se faça um documento
anulando o anterior para que não permaneçam vínculos "legais" entre o
casal que não mantém mais vínculos emocionais.


Existe a possibilidade de um dos parceiros, se assim for o desejo,
colocar o sobrenome de seu companheiro em seu nome?
Não. A legislação não prevendo união estável entre os parceiros, não
admite que o nome seja alterado. Essa é uma possibilidade para os que
vivem em união estável (falamos aqui apenas de heterossexuais).


O processo todo de união estável dura quanto tempo, desde a entrada em
cartório até a finalização?
Isso varia muito de acordo com o documento que será feito, contrato ou
escritura. Depende também da disponibilidade de tempo dos escreventes
do cartório. Também poderá ser necessária a consulta a um advogado que
irá orientar o casal e isso envolverá as condições de tempo do
profissional para atendimento do casal e elaboração do texto.


Como o casal pode fazer para se proteger na eventualidade de um deles
faltar? Testamento? Como seria?
Para os casos de falecimento, o mais importante é que tenha sido feito
um testamento. É a única forma de se estabelecer desejos da pessoa a
serem satisfeitos após sua morte. Só ele é capaz de cumprir essa
função. Nos casos de homossexuais, é muito importante que seja feito
testamento. O parceiro sobrevivente pode ser bastante prejudicado
quando da abertura do inventário dos bens deixados por seu
companheiro. O ideal é que quando ocorre o falecimento de um deles já
tenha sido feita uma escritura de união estável (que pode ou não ser
aceita) e um testamento que, via de regra, tem o poder de beneficiar o
sobrevivente. Muitas famílias dos parceiros falecidos questionam a
validade do testamento e da união entre eles na tentativa de obter
para si a integralidade dos bens ou, no mínimo, uma fatia maior do
patrimônio.


* Matéria originalmente publicada na edição #14 da revista A Capa -
julho de 2008

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